• "Às vezes é preciso se render ao fantástico, parar de buscar respostas ou conclusões. Às vezes devemos simplesmente deixar o mito e a lenda tomarem os seus lugares. É isso que conta. É isso que nos faz diferente..."

    JBAlves

domingo, 11 de janeiro de 2009

VACA!

Manchado de sangue, suas mãos tatearam pela sala até o interruptor. Enfim ele cometera o que vinha guardando dentro de seu coração, assassinato. Finalmente sua paciência havia se esgotado e sua raiva explodira num único movimento. A faca de cozinha descera rápido, cortando rancores guardados e órgãos inúteis, para ele. Ela, jazia no chão. Uma poça de sangue surgia e empapava a toalha da cozinha que ela havia arrastado junto quando caiu ao solo.


Ele pensava...

Ela. Mulher amada. Esposa à trinta longos anos. Companheira para todas as horas. Vaca. Mulherzinha desagradável que tinha a maldita mania de achar que tudo tinha seu lugar. Eu odeio isso. Quem disse que tudo tem de estar no mesmo lugar de sempre. Ela sempre reclamava das latas de cerveja no banheiro. Da pasta de dente destampada. Do lenço de papel sujo que eu deixava pela casa.

E ela! Fumava e eu nunca havia aberto a boca. Embora fosse um vício que ela havia prometido parar. Eu me lembro. Foi na noite em que eu transei com ela logo depois do casamento. Que raiva. Nunca cumpriu a promessa.

Matei! Bem no momento que ela me olhava boquiaberta. Sem entender como eu havia cometido aquele ato obsceno. Pensando que era o maior pecado da igreja. E eu só havia colocado o dedo para experimentar o bolo.

Ela então começou. Matraqueava como uma arara colérica. Aquilo foi me deixando louco. Louco era pouco. Maluco. Isso. Muito maluco!

A faca da cozinha estava próximo de mim. Ela brilhava como se fosse um portal para a libertação. Eu precisava fazer aquilo. Precisava ficar sem escutar aquela ladainha de trinta anos na minha cabeça. Bosta. Ela sujou todo o chão quando caiu. Além da toalha, acabou ensopando o assoalho de madeira.

E até morta continuou a me encher. Quando tive de arrastar a sua gorda massa adiposa pela casa. Seu pés inertes batiam nas coisas. Ela acabou derrubando a samambaia que minha mãe me dera. Vaca. Até morta me aporrinha. Que ódio.

Não cabia no porta mala do meu fusca. Droga. Por que não me casei com alguém menor. E justo quando havia encaixado seu corpo grande dentro do carro o telefone tocava. Merda! Devia ser uma das piranhas de suas amigas. Nunca me deram moral. Que bosta!

Não atendi. Deixei tocando. Parecia um requiém para os mortos. A última música que ela ouviria antes de fazer companhia aos peixes. Isso. Joguei a coitada da ponte. Ela demorou vinte minutos para afundar. E eu torcendo pra ninguém ver. Mala se alça. Droga!

Pronto. O corpo tava no fundo. Minha casa tava limpa. E eu estava livre. Sem ninguém pra me aporrinhar. Sem ninguém pra me encher. Viva, viva!

Só um problema... Me lembrei agora...

Era ela que depositava o dinheiro no banco. Eu trabalhava e ela cuidava das contas. Nunca fui bem em matemática. Merda. Nunca lhe perguntei o número. Nem sei qual banco usava. Em trinta anos e ela nunca me disse. Ou se disse nunca exigiu que eu lembrasse. Merda. Tinha de me encher justo hoje. Ela teve de me deixar maluco. Justo hoje que todas as contas estão vencendo.

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